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sábado, 2 de fevereiro de 2013

Django tira o capuz da Klan de muita gente

Pensei muito no que escrever como título para uma análise crítica do filme Django Livre, de Quentin Tarantino, e foi muito difícil expressar tudo que senti ao assistir o filme em poucas palavras, em um título, por isso, decidi que não devia ser apenas a expressão de um sentimento de empolgação, mas que eu queria brincar. Django fala sério, mas também é uma brincadeira. Quando alguém decidi assumir para os outros que é gay dizemos que ela "saiu do armário". Por isso, decidi brincar com isso dizendo que Django "tirou o capuz da Klan" de muita gente. Ou seja, muita gente teve que expor seus preconceitos por se sentir incomodado com Django. Na internet há quem gostou, quem esperava mais do filme, mas também aqueles que aproveitam para expressar sua opinião não apenas acerca da obra, mas sobre o "povo" negro também.  Essas considerações racistas deixarei em um post anexo a este, dedicado àqueles que, graças a Django, "tiraram o capuz da Klan".
Aviso! Se você não viu o filme, não leia essa análise crítica.

Django, não é o melhor filme de Tarantino, mas acho que ele mais acerta que erra. Posso dizer que ele quase me enganou nos primeiros minutos que sai do cinema com um sorriso de orelha a orelha ao ver tantos porcos racistas morrendo, acho que ele acerta em muitas coisas, mas em certos momentos ele deixa a dúvida se não poderia ter sido uma experiência melhor. Talvez eu tenha esperado demais e no fundo quisesse uma experiência como foi em Bastados Inglorius. Talvez por ter aspectos políticos tão bons eu gostaria de ter visto uma trama mais elaborada, mas ao mesmo tempo a simplicidade que move as ações dos personagens não deixa de ser um grande atrativo, pois coloca aqueles que são expostos a opressão como pessoas com todas as suas necessidades e complexidade de sentimentos.

É difícil fazer uma crítica a Tarantino, porque ele criou um gênero de filme que é uma grande brincadeira visual, com diálogos quentes que grudam na orelha e nos fazem sorrir de cumplicidade por vezes. Ele é agradável e divertido, faz enquadramentos estranhos, utiliza fórmulas antigas e novas, brinca de vingador da história dos oprimidos, ama os atores sem preconceitos hollywoodianos e por isso lhes dá mais que papeis, dá presentes, o ator se torna com tanta imersão o seu personagem que muitas vezes percebemos que o elenco tem nomes conhecidos só quando olhamos os créditos. O cara é definitivamente bom.

Posso dizer que Django peca pela simplicidade da história, mas talvez o medo de errar na dose crítica nos EUA, um país tão racista, tenha sido um dos porquês de Tarantino não ter subvertido a história, por exemplo, como fez em Bastardos. Pois como explicar aos tantos velhinhos Republicanos da Academia que tudo aquilo era mera brincadeira com a história? Em Bastardos há uma personificação da guerra, do racismo, das mortes, em Hitler e em seus oficiais, principalmente, em Hans Landa. Como personificar o mal ocorrido na história da escravidão? Isso, e a vontade de não se repetir, também devem ter ajudado com certeza. Entretanto, existem elementos similares entre uma obra e outra, pois do mesmo modo sádico que ele nos presenteia com a morte e o desespero dos nazistas no cinema tomado pelo fogo em Bastardos, em Django presenciamos uma cena bastante forte em que a expressão de raiva de Jamie Fox, a precisão dos golpes e a câmera lenta, enquanto Django chicoteia o homem que torturara a ele e a sua amada, nós tornam mais que espectadores, nos tornam cúmplices da raiva do personagem.

Tarantino, porém, também comete erros, porque não consegue se desvencilhar da velha história do branco que leva o negro a sua redenção, no caso do filme, até a sua vingança e o resgate da esposa. Ele também não aproveita o que pra mim era o clímax perfeito para acabar a história, a cena de tensão em que o Dr. Schultz reluta em apertar a mão de Calvin Candie após a negociação por Bronhilda. Ali, se o filme acabasse seria perfeito, com mais algumas mortes e violência, sim, claro, por favor, com tudo que se tem direito em um filme de Tarantino, mas não, ele decide ''arrastar'' por mais alguns minutos que pra mim eram desnecessários e quebram um pouco o ritmo do filme. Se ele queria matar o personagem de Waltz, tudo bem, odeio cinema água com açúcar, mas reviravoltas podem ser cansativas demais e colocar de novo Django na posição de vítima pode ter tido dois motivos, um, ele realmente gosta de reviravoltas, o que podemos ver em Bastardos e Kill Bill, a outra possibilidade é que ele mesmo tenha feito a crítica a respeito de Django e sua dependência de Schultz, e desejasse mostrar a habilidade deste se auto organizar como homem liberto, sua capacidade de manipular, sua objetividade, enfim.  Na verdade, assim que o Dr. abre as correntes de Django, Tarantino mostra que Django não é um personagem vazio que está ali para ser preenchido por Schultz, não se trata de uma relação mestre e aprendiz, Django é um homem completo, com objetivos, vontades, caráter, e o diretor apenas demarca momentos em que isso tem ficar bem claro, ele sabe atirar, questiona e conduz muitas vezes o rumo que estes darão ao resgate de Bronhilda. Pra mim, que amo Tarantino, prefiro pensar que ele buscou estender o filme preocupado com isso.

Os personagens, como sempre, no filme são bastante interessantes. Dr. Schultz, não é mocinho ou bandido, ele apenas quer sobreviver, e ao que me parece o que dá profundidade ao personagem é o encontro que este faz com a realidade de Django, e talvez a sequência entre o recordar da morte de D´Artagnan estraçalhado pelos cães, suas considerações sobre Dumas e o pedido de desculpas a Django por não ter resistido em matar Candie, seja essa linha tênue entre a negação humana e a construção da consciência e criticidade ao que está ao nosso redor. O Dr. é um homem intrigante, serve a cerveja para ele e Django, serve água para Bronhilde, em uma época que brancos jamais serviriam negros e para um amigo meu isso foi proposital de Tarantino, ele queria Schultz mais esclarecido que os demais. Schultz deixa sua vida ser conduzida pelo destino de outro homem, o personagem de Schultz é no mínimo um estranho. 

Django, é a personificação da necessidade de liberdade plena para viver as coisas simples, ele não quer ser rico, não quero tomar o lugar de ninguém, quer apenas um espaço digno na sociedade para viver com sua amada Bronhilde, essa sim uma personagem que paira no ar, embora seja uma sobrevivente de todas as agressões que vive, esta é a personagem feminina mais aguada de todos os filmes de Tarantino, ela não tem nenhuma faceta, fala ou expressão que a coloque mais além que entre o medo dos patrões e o amor por Django.

Calvin Candie e Stephen, são personagens a parte. Ambos acreditam na inferioridade negra, o primeiro é o patrão branco, interpretado com muita precisão por Leonardo de Caprio, o outro, um empregado negro, interpretado de modo absurdamente fantástico por Samuel L. Jackson. Candie, adora lutas até a morte entre negros, que compra, em quem ''investe'' e aposta, Stephen, parece servir, mas no fim do filme, quando este sai do papel de velho arqueado, senil e maldoso, percebemos que este sobrevive entre os brancos da família da melhor maneira que encontrou, sendo fiel, vigilante e tão vilão quanto qualquer um dos brancos que vivem na propriedade, ele quer sobreviver em meio aos opressores.
A luta até a morte que Candie gosta, chamada de ''mandingo'', talvez seja uma referência ao filme da década de 70 que causou tanta polêmica por tratar de relacionamentos inter-raciais. A luta não está muito longe da lógica do pugilismo ou das lutas de MMA, pois na grande maiorias os lutadores são negros, latinos ou de algum país decadente do Leste Europeu, ou seja, aqueles que a sociedade pouco se importa que se esfacelem em um ringue.

Um personagem a parte é a própria KKK, que o diretor não se preocupa em levar a sério mesmo, dando ao filme uma de suas melhores cenas cômicas. Vale a pena ver e rir. Um dos melhores momentos visuais destes está na sua descida a cavalo na colina iluminados apenas por tochas, cena que remete, acredito propositalmente ao filme, O nascimento de uma nação, de D.H. Griffith, filme que glorifica o racismo e a segregação e em que os cavaleiros da Klan surgem ao som de A Cavalgada das Valkirias, de Wagner, dando um ar de grandiosidade aos cavaleiros e sua proposta política que levaria as lágrimas Goebbels, o ministro da propaganda nazista.
Gostei muito de dois outros momentos do filme que podem parece bobos, mas que acho de uma crítica fantástica. O primeiro a conversa entre o personagem de Big Daddy (Don Johnson, em um personagem propositalmente patético) e uma de suas escravas (quase escrevi empregadas) ao explicar como esta tem que tratar Django. Segundo a ele, este não pode ser tratado como o patrão, nem como um escravo, então com a ajuda das suas escravas busca o nome de um comerciante conhecido e diz que é assim que ele deve ser tratado. Ou seja, em algum lugar entre a burguesia sulista e os escravos, havia um espacinho para o trabalhador assalariado. Boa Tarantino!
A outra cena que gosto muito é da conversa entre Django e Schultz, sobre o quanto era necessária a morte do escravo D´Artagnan, interpretado por um ótimo ator, que não conheço, mas que nos passa todo o desespero de um homem no limite e sem escolhas. Neste momento Django faz ele recordar o momento em que Schultz o convenceu a matar um pai, procurado pelo sistema judicial, na frente do filho na busca pela recompensa, nos dois momentos eles utilizaram a lógica dos ''fins justificam os meios", mas Django diz mais, agora ele está seguindo a lógica do mundo de Schultz para ter acesso ao que precisa.
Gosto de Django. A trilha sonora é boa, achei que Tarantino não precisava aparecer, mas gostei da escolha do elenco, muitos deles a muito tempo esquecidos de filmes clássicos de faroeste, as paisagens são muito bonitas, tem suas cenas memoráveis e é um filme para gostar e ver novamente.
Eu ainda não consegui encontrar elementos que me fizessem desabonar ou deixar de indicar aos amigos, ao contrário de muitas críticas que estão por aí. Mas se existe moda pra gostar de certos diretores, também tem pra criticá-los. Não é?

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