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quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

O fardo do "menino" branco e a ''redenção'' negra



Por ter estudado grande parte da minha infância e adolescência em escolas particulares posso dar um relato sobre um fator que toda jovem e todo jovem tem que conviver quando está em um meio prioritariamente branco. É fato, pessoal, não apenas uma impressão.
Eu estudei em escolas como Colégio Americano, Champagnat e, no já fechado, Vera Cruz, por isso posso contar que adoro quando alguém diz que racismo entre jovens não existe, pois eles são cabeça aberta ou que não existe racismo o que existe é preconceito socioeconômico, e dou muita risada quando ouço isso, porque só sabe quem vive ou testemunhou. O bullying, tão falado agora, era uma coisa ''normal'' ao olhar de muitos professores quando, por exemplo, minha colega, vamos chama-la de Nara, no ensino médio, negra e gorda, era foco de piadas e ofensas absurdas. Uma das professoras, de biologia, até ria das piadas. Eu mesma já ouvi que tinha ''mãos de macaco'', que a função da mulher negra é sexual, já fui levada para o banheiro da escola e descabelada na hora da saída, por que eu não podia ter cabelo tão cacheado, tinha ser crespo, já tive que sentar em um lado inteiro vazio da sala de aula, por uma semana, mesmo com um ''espelho de classe'' enquanto meus colegas se amontoaram em um lado da sala, bem longe de mim e sem nenhuma intervenção dos professores que presenciaram aquilo, isso fora todas as outras ''subjetividades'', heheheh, nada subjetivas, do cotidiano.
 
Mas como se não bastasse, ainda tive que conviver durante a adolescência, com o que chamo de "O fardo do 'menino' branco". Por que fardo do menino branco? Bem, vocês conhecem o fardo do homem branco, que diz que havia uma necessidade, um peso, um fardo, do homem europeu e de origem europeia em dominar povos tidos como não civilizados, não conhecem? Se não conhecem vejam minha postagem anterior ''Rudyard Kipling e a campanha imperialista''.
 
Pois bem, o fardo do menino branco, ou da menina branca, vem do machismo e racismo nosso de cada dia, que diz que toda mulher negra ou homem negro desejam diretamente e imediatamente cada homem ou mulher branca. Mais ou menos o que os gays e lésbicas vivem agora, neste mundo cheio de homofóbicos nojentos, que os tratam como seres animais com desejos sexuais incontroláveis e sem nenhum direito a desejar o outro com critérios, limites, etc. Para o homofóbico, assim como para o racista, eles desejam de modo animal a todos. Não sei se se trata de ignorância, má fé, ou se são ridículos, mesmo.
 
Assim, é com os negros também e como sempre, tento buscar na história um pouco a resposta para isso e percebo que isso está ligado a animalização do negro. Os povos que dominaram a África, através de seus discursos ''extraiam'' as características humanas (boas) do negro, o que auxiliou a na legitimação de todas as atrocidades com aos povos africanos. Animalizavam homens e mulheres, os expondo a condições de vida que nem animais suportariam e os tornaram objetos, garantindo assim todos os abusos sexuais livres de julgamento. Ainda hoje, através de piadas também, existe essa imagem do homem negro, um ser viril, sempre 'ereto' e pronto para o sexo, sexualmente animal, como um estuprador a espreita na próxima esquina, e a mulher negra sempre disposta a copular, rasa, cuja a única essência é a do corpo. 
 
Diante disso, tive muita dificuldade em criar amigos homens e brancos, por que neles ''sempre'' pairava uma sombra de dúvida se eu estava em busca de "passar de mucama e objeto sexual a sinhá". Um toque, um abraço, um sorriso, sempre vinha seguido de semanas sem ter notícias ou de palavras mais frias, duras, para manter uma "distância de segurança, baby"...(risos), só faltava eu ouvir algo assim. Este é uma característica do menino branco que tem que carregar esse fardo de sempre ser desejado por todas as mulheres negras, (riso). Claro, né! Alerto que essa boçalidade não é comum a todos os brancos, apenas os meninos, não aos homens reais. Para os meninos com este fardo, as mulheres negras não tem opiniões, gosto, desejos, critérios, são animais sexuais e sentimentais, que só se movem pelo impulso de querer o "menino branco". Pessoas, as relações entre pessoas negras e brancas são possíveis e saudáveis como qualquer outra relação, mas não existe isso de todo negro desejar o branco. Assim como não existe isso de ser "chegado" em branco ou em negro, as pessoas tem que estar com as outras não por fetiche, afinal, nem os negros nem as negras são chicotinhos, cintas-ligas ou espartilhos, as pessoas tem que estar com uma negra ou um negro pelos mesmos motivos que com qualquer outra pessoa, de qualquer outra cor. Pois se buscam um ser com uma potencia sexual insaciável vão até a locadora de vídeo mais próxima e aluguel um daqueles filmes que ficam no cantinho obscuro da loja. Nossa sexualidade não é animal, minto, é animal sim, igual a qualquer outro bicho homem.
 
A outra característica, mais hilária ainda, é a investida. O menino branco com o grande fardo, não só está certo que você está louca por ele como investe agressivamente como se ali não houvesse outra hipótese. Não sei o que é pior, lidar com isso tendo que dar um ''chega pra lá'', ou com a expressão de ''brabeza'' no dia seguinte, como se você estivesse negando o que sente, perdendo uma oportunidade única ou sendo uma ingrata.
 
A perspectiva da ingratidão está na redenção negra pela mão branca, e ela se vende em todos os lugares, no cinema, nas novelas, nas propagandas, nas histórias infantis, na nossa história enfim. Existe no imaginário do senso comum, por trás de cada vitória negra, um generoso branco que garantiu que aquilo acontecesse. É aí, também, que nosso menino branco, que possui este fardo a carregar, reproduz o que toda uma sociedade acredita. Nas novelas você nunca vai ver uma personagem negra ''dando um fora'' em um personagem branco. No cinema, se há um escravo, ele será salvo pela consciência ou atuação branca, esvaziando séculos de resistência negra.
 
Ou seja, o que quero dizer com minhas experiências é que nós negros, ao contrário que sempre tentaram passar para nos dominar e diminuir queremos ser apenas amigos também, não existe esse negro a espreita sempre querendo algo mais, ladino, traiçoeiro, que os senhores de escravos adoraram pintar para manter a todos como possíveis delatores de qualquer busca por liberdade. Nós pertencemos a esse grande prisma que é a humanidade, com todos seus feixes e matizes, como qualquer outro humano. 
 

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