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quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Rudyard Kipling e a campanha imperialista

 

 

Assim como nos anos 1980 e 1990 em que a palavra "globalização" causava empolgação aos mais desavisados, durante o período de nascimento de Rudyard Kipling, 1865, foi o imperialismo, aos dominadores ao menos, fonte de grande entusiasmo. Ele mesmo nascido em Bombaim, Índia, cidadão britânico em território indiano, foi filho do imperialismo, e segundo a George Orwell, ele foi mais do que um resultado da política imperialista, foi o "profeta do imperialismo britânico".

Kipling, sempre me intrigou, pois mais do que pensa-lo como vilão que afirmava uma condição inferior dos povos dominados, sempre tentei contextualiza-lo pelo momento histórico que fez parte, mas ao mesmo tempo ao ler O fardo do Homem Branco, percebo seu entusiasmo diante da política imperialista da época, onde não há crítica ao opressor.
Julgo que ora ele parece convencido de um destino e peso que este homem branco tem que carregar, civilizando povos rasos como uma poça d´água, aos seus olhos, ora ele me aparece como mero propagandista da lógica imperialista, utilizando, com conveniência, a ideologia de um opressor rico e oprimido que produz quase que como uma máquina sem alma, cultura, vida e sonhos essa riqueza. Inverte ele os fatos, a produção não é construída pelo opressor, mas pelo trabalhador explorado ou simples escravo, produção que conduz a acumulação e ao enriquecimento crescente daquele que conduz apenas a chibata com precisão.
Ao imperialismo, assim como foi a propaganda pela privatização, globalização e neoliberalismo, foi importante uma campanha que fizesse tanto ao opressor acreditar por que faz o que faz e que fizesse o oprimido compreender por que é dominado. Ao imperialismo era importante que os povos dominados por acordos governante-governante, ou pelo genocídio, acreditassem com o tempo que o que estava acontecendo era o desenvolvimento, a chegada da civilização, um ato de povos mais evoluídos e superiores, assim foi em grande parte da Ásia e África.
O imperialismo seguiu, como bem dizia Kipling, propagando a crença de que os povos que não pertencem ao eixo Europa - EUA, são ''cativos, servos obstinados, metade demônio, metade criança", e marcam a ferro essa identidade convenientemente em todos os que desejavam dominar em busca de mão-de-obra escrava ou barata, de territórios para colonização e expansão, de braços para empunhar suas baionetas engrossando as linhas de frente das batalhas, e quando construíram essa identidade não trata-se apenas de constituir uma dominação física tão somente, mas psicológica também. Ao dominados cabe, ao mesmo tempo que estes são a força de trabalho, receber uma marca da mentirosa, universalizante, cruel, de que estes são preguiçosos, sujos, feios, ignorantes, isentos de uma cultura, traiçoeiros, mentirosos, principalmente, quando estes não se sujeitam a posições inferiores.
Podemos ver então o chamado imperialismo científico, que ajudará a alimentar a ideologia eugenica mais tarde na virada do século XIX até o início do século XX, presente na poesia de Kipling quando este considera que o dominado era: "metade demônio", ou seja, estes não possuíam uma alma humana, não possuíam características boas, eram pela sua cultura, religião, política e sociedade merecedores do sofrimento, e ''metade crianças'', sendo que neste período as crianças eram tidas como seres rasos, quase animais, passiveis de aprender apenas com a ajuda de um tutor, de um adulto, seres inferiores, enfim. No caso dos povos dominados o ''tutor'' era o ''homem branco'' a qual se refere Kipling.
E nesta obra o autor não só se utiliza da lógica dominador-dominado para descrever o processo imperialista e legitimá-lo, como também inverte os papeis, tornando o papel do dominador mais exaustivo do que aquele que será dominado, afinal, aos homens brancos é cansativo preencher de conhecimento, valores, os rasos africanos, asiáticos, etc. Expõe ele em breves falas esse trabalho exaustivo quando menciona que o "homem branco'' precisa explicar centenas de vezes, encher a boca dos famintos, estar exposto a loucura pagã, e mesmo assim "sem a mão-de-ferro dos reis, servir e limpar, a história dos comuns". Servir e limpar a história dos comuns, os "comuns" eram os donos das terras, das culturas, sujeitos políticos de seus conflitos e organizações políticas, de seus tempos históricos que não devia seguir o mesmo processo social e econômico que o europeu.
O fardo do Homem Branco (1899) - Rudyard Kipling
Tomai o fardo do Homem Branco -
    Envia teus melhores filhos
Vão, condenem seus filhos ao exílio
    Para servirem aos seus cativos;
Para esperar, com arreios
    Com agitadores e selváticos
Seus cativos, servos obstinados,
    Metade demônio, metade criança.

Tomai o fardo do Homem Branco -
    Continua pacientemente
Encubra-se o terror ameaçador
    E veja o espetáculo do orgulho;
Pela fala suave e simples
    Explicando centenas de vezes
Procura outro lucro
    E outro ganho do trabalho.

Tomai o fardo do Homem Branco -
    As guerras selvagens pela paz -
Encha a boca dos Famintos,
    E proclama, das doenças, o cessar;
E quando seu objetivo estiver perto
    (O fim que todos procuram)
Olha a indolência e loucura pagã
    Levando sua esperança ao chão.

Tomai o fardo do Homem Branco -
    Sem a mão-de-ferro dos reis,
Mas, sim, servir e limpar -
    A história dos comuns.
As portas que não deves entrar
    As estradas que não deves passar
Vá, construa-as com a sua vida
    E marque-as com a sua morte.

Tomai o fardo do homem branco -
    E colha sua antiga recompensa -
A culpa de que farias melhor
    O ódio daqueles que você guarda
O grito dos reféns que você ouve
    (Ah, devagar!) em direção à luz:
"Porque nos trouxeste da servidão
     Nossa amada noite no Egito?"

Tomai o fardo do homem branco -
    Vós, não tenteis impedir -
Não clamem alto pela Liberdade
    Para esconderem sua fadiga
Porque tudo que desejem ou sussurrem,
    Porque serão levados ou farão,
Os povos silenciosos e calados
    Seu Deus e tu, medirão.

Tomai o fardo do Homem Branco!
    Acabaram-se seus dias de criança
O louro suave e ofertado
    O louvor fácil e glorioso
Venha agora, procura sua virilidade
    Através de todos os anos ingratos,
Frios, afiados com a sabedoria amada
    O julgamento de sua nobreza.

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