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quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Nossas muitas peles

"Quem sou eu? Às vezes, me comparo com as cobras, não por venenoso, mas porque eu e elas mudamos de pele de vez em quando. Usei muitas peles nessa minha vida." Darcy Ribeiro
 
A frase de Darcy Ribeiro me faz lembrar das muitas peles que uma pessoa negra precisa ter na vida. Trata-se de uma negação a uma "construção mental comum", como diz Freud, quando este trata de identidade. Somos ao mesmo tempo a negação de uma identidade e a limitação a uma estética fechada, e branca, do que é ser negro. Já explico! Precisamos através da vida superar muitos papeis, somos aqueles que dão 110% de seu trabalho para ter 1/3 do que fez reconhecido. Conhecem o termo imposto negro? Trata-se disso. Somos a constante afirmação externa da sexualização da mulher negra e da potência quase animal do homem negro, somos aqueles que não podem falar alto, aqueles não podem correr na rua com o perigo ser parado pela polícia, aqueles que são alvos dos olhares dos seguranças, aqueles que recebem sorrisos surpresos se dizem que tem pós-graduação, sorrisos com algo entre a condescendência e a felicidade de este ser "um bom negro", somos aquelas que não podem ser amadas apenas fetiche do desejoss masculino, somos vários ao olhar externo sempre na expectativa de que vamos afirmar esses papeis que nos são impostos. Devemos negá-los todos os dias.
 
Ao mesmo tempo...quem é o negro? Basta perguntar isso em uma sala de aula de escola pública ou privada, na primeira com um maior índice de peles negras e na outra um índice muito, muito menor, para se obter inicialmente um silêncio absurdo, quase constrangedor. Uma das possibilidades é que esta é uma pergunta tão reducionista, afinal, eu Pedro, negro, sei quem eu sou, mas não sei quem sou como negro, se existe um negro, ou os negros, se quero ser negro, se quero arcar com o peso da história de meus antepassados, ou se quero afirmar em mim a história anunciada pelos opressores, se quero fingir-me de branco, se quero colaborar com os opressores. Quem quer afinal ser o oprimido? Em uma escola particular, falo isso por ter estudado em algumas escolas particulares na época da minha educação básica e por saber que este quadro não mudou, como dizer quem é o negro se ao menos não existem pares na minha sala? Com quem dialogar se só vejo negros nos serviços gerais, ou em um ou outro professor. De que negro falamos? Não acredito em determinismos nem na displicência pós-moderna que fala de vários negros ou de uma construção humana antes de tudo. Antes de tudo aquilo que me foi roubado, negado! O simples direito de ser.
 
E como diz Freud, quando relata por que se sente vinculado ao judaísmo, o direito de sentir a irresistível atração por "muitas forças emocionais obscuras tanto mais poderosas quanto menos podiam ser expressas em palavras, assim como uma nítida consciência da identidade íntima, a segura identidade de uma construção mental comum" (FREUD,S. Adress to the society). Mas antes disso, para que o nosso Pedro, menino negro, se levante e diga quem é o negro, estando na escola pública, e o nosso negro, da escola particular tenha isso na ponta da língua é necessário abrir um grande fluxo de conhecimento que acorde essa atração poderosa sobre a cultura negra, as histórias negras, as angústias, vitórias, os caminhos, os rostos, por uma estética que nossos olhos não estão acostumados e muitas vezes repelem, negam, para que as várias peles que usamos se tornem uma, uma luta, um reconhecimento, dignidade e identidade. Isso é muito mais urgente, é um resgate de algo muito precioso que nos foi roubado.

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